O vivaha é o mais importante dos rituais hindus. Dá-se grande importância ao casamento, pois considera-se que a vida em família é o estado natural dos seres humanos, e onde nós temos mais chance de sermos felizes e realizarmos nossas mais altas aspirações. Isso acontece porque, assim como os seres vivos dependem do ar para respirar, da mesma forma a sociedade depende das famílias para existir.
O ritual aqui descrito corresponde à forma como os casamentos são feitos dentro do hinduísmo. No entanto, há muitos rituais de casamento na Índia, que variam de acordo com a região, a cultura e os costumes de cada uma das numerosas etnias desse grande país. Aqui mantivemos os momentos mais importantes do casamento, porém traduzindo os hinos sânscritos para o português, afim de conservar a profunda significação dessa bela cerimônia. Fizemos algumas abreviações e adaptações que, acreditamos, não mudarão o sentido do ritual.
O casamento hindu consiste em uma série de rituais altamente simbólicos e profundos. Um grupo desses rituais visa a consagrar a união entre os noivos. Fazem parte deste grupo unir as mãos, colocar a guirlanda de flores no amado, tocar o coração, etc. Outro grupo de rituais tem como objetivo invocar felicidade, paz, prosperidade e fertilidade para o matrimônio que inicia. Finalmente, como o casamento é um dos mais importantes rituais de passagem da nossa vida, fazem-se alguns rituais simbólicos para afastar influências negativas que possam assombrar a felicidade e a paz do casal. À noiva é reservado um tratamento muito especial, já que ela ocupa o lugar central na estrutura familiar.
O vivaha não é um contrato, mas a sacralização de uma união baseada no amor, no carinho, na confiança e no respeito. O casamento não é visto como a simples união de dois elementos. Existe uma força que está presente no casamento, que é o terceiro elemento da união. Essa força chama-se dharma, que significa em sânscrito “aquilo que mantém unido“. O dharma é a força que sustenta a ordem natural das coisas, aquilo a que nos mantemos essencialmente fiéis.
Os rituais
Listamos aqui, na ordem adequada, os diferentes rituais que configuram o casamento, e que serão feitos ao longo da cerimônia pelos noivos, seus pais e o oficiante.
I – Vagdanam, a “entrega de palavra”
1. O início da cerimônia do casamento consiste num ritual chamado vagdanam, que significa literalmente “entrega de palavra“. Nessa parte do casamento, para consagrar o início, a mãe do noivo coloca no colo da noiva uma cesta contendo frutas e um pouco de açúcar cristal, símbolo do desejo de felicidade e prosperidade no ciclo que aqui inicia.
2. A noiva, por sua vez, oferece um pote com iogurte e mel ao noivo, simbolizando a pureza e a doçura que eles querem para suas vidas.
3. Neste momento, os noivos trocam guirlandas de flores, para invocar tudo o que for auspicioso e bom para a união.
4. Na continuação, o noivo oferece um pote de arroz ou trigo em grão para o oficiante, simbolizando que, embora ele esteja entrando numa fase nova e diferente da sua existência, não esquecerá nem da caridade nem de outras ações em benefício da sociedade e dos necessitados.
5. Depois, as mães dos noivos vão para fora da sala levando um pote com água e passam uma faca sobre ele, para proteger o casal de influências negativas.
6. Aqui, o pai da noiva verte uma colher de água no solo, simbolizando o sacrifício que a família está fazendo para deixar a moça partir. Como condição para deixar sua filha partir, ele pede um juramento do seu novo genro: “quero que você jure que fará minha filha feliz, realizada e próspera“. O noivo, por três vezes seguidas, repete: “tenho sucesso na missão de fazer minha esposa feliz, realizada e próspera”.
II – Vivaha, a união
1. Aqui começa o casamento propriamente dito, com a invocação da felicidade. Os noivos ficam frente a frente, a noiva voltada para o leste. O irmão da noiva verte, com as mãos em forma de concha, alguns grãos de arroz nas mãos dela que, por sua vez, as une firmemente oferecendo os grãos ao fogo, enquanto que o noivo diz “ela está fazendo a oferenda para o fogo. Que a inteligência presente no brilho do fogo permita que ela tenha uma vida feliz e longa. Que esta relação prospere. Que esta oferenda nos una”.
2. Nesta segunda etapa do vivaha, chamada panigrahana, o noivo segura a mão direita da noiva dizendo: “tomo tua mão em nome da felicidade. Que vivas uma vida muito longa e feliz comigo, teu marido. As forças da natureza te deram a mim e me deram a ti. Tu és a terra, eu sou o céu. Casemos e tenhamos descendência. Que tenhamos muitos filhos e que eles vivam uma vida longa. Que possamos ver cem outonos juntos”. Aqui, o noivo está responsabilizando-se pela felicidade e o bem-estar da noiva.
3. Agora, o oficiante dá três nós, amarrando a barra do vestido da noiva à camisa do noivo, simbolizando a união sagrada.
4. Na quarta etapa do casamento, asmarohana, o noivo pede para a noiva que suba numa pedra, colocada ao norte do altar, que simboliza a firmeza do relacionamento, cujos alicerces são a fidelidade, a confiança, o respeito e a devoção mútuos. Enquanto ela sobe ou coloca o pé direito sobre a pedra, ele diz: “sobe nesta pedra. Que sejamos firmes como ela. Que haja fidelidade, confiança, respeito e devoção entre nós”.
5. O seguinte passo é agni pradakshina, a circunvolução do fogo sagrado. Os noivos oferecem grãos de arroz ao fogo e, na continuação, ambos dão sete voltas em torno dele, em sentido horário. Durante as três primeiras voltas, a noiva anda na frente. Nas quatro últimas, quem vai na frente é o noivo. Esse passeio ritual em torno do fogo equivale a uma jornada simbólica em torno do Sol, representando o ciclo de suas próprias vidas, que viverão juntos a partir desse momento.
6. Saptapadi significa “sete passos” (sapta = sete, padi = passos). É a parte mais importante do ritual. Conta a lenda que, durante o casamento de Shiva e Parvati, Shiva pediu a Parvati que, após a circunvolução ritual do fogo, ficasse do seu lado esquerdo, para consagrar o casamento. Ela recusou-se a aceitar o casamento como concluído, a menos que ele aquiescesse em lhe outorgar sete pedidos. Ele concordou e, por sua vez, pediu para ela que fizesse o mesmo e assim esse costume foi integrado no casamento. O saptapadi consiste em andar juntos por sete passos em direção ao norte. A cada passo, eles fazem seus sete pedidos, pronunciando estas palavras: “um passo pelo nosso amor, dois passos para termos bons alimentos, três passos pela nossa força, quatro passos pela nossa felicidade, cinco passos pela prosperidade, seis passos pelos filhos que teremos, sete passos pela devoção“. Essa fala pode ser dita pela noiva ou pelo noivo.
7. Logo, o oficiante diz: “que as responsabilidades éticas sejam cumpridas, que os recém casados compartilhem suas riquezas, que compartilhem seus momentos felizes e os menos felizes também, que se mantenham distantes dos cinco inimigos (raiva, medo, avareza, apego e egoísmo), que sejam felizes em todas as estações, que sejam fiéis em pensamento e ação, que cultivem juntos as virtudes“.
8. Após os sete passos, a esposa fica em pé do lado esquerdo do esposo. Isso simboliza que ele irá defendé-la sempre que for preciso, usando seu braço direito. Aqui conclui-se o casamento.
III – Após o ritual da união
1. O oficiante esparge algumas gotas de água sobre a esposa dizendo: “que as águas, pacíficas e abençoadas, te sejam favoráveis. Que possam sempre te curar“. Este é um ritual de purificação, que simboliza a aniquilação dos karmas resultantes de toda ação errada que ela possa ter cometido no passado.
2. Neste momento, o esposo toca o coração da esposa e diz: “que teu coração possa viver no meu. Que tua mente possa viver na minha. Que possas ser feliz e desfrutar no meu mundo. Te aceito do jeito que és“.
3. O noivo passa kunkum (pó vermelho), usando o dedo anular direito, na divisão dos cabelos da noiva, desde a testa até o alto da cabeça.
4. Ao finalizar a cerimônia, os recém casados cumprimentam, em primeiro lugar, seus pais. Na continuação, os parentes e amigos reunidos jogam uma chuva de flores sobre os recém casados para abençoá-los.
5. Aqui começa a celebração, a festa e o banquete.
Durante a refeição, pode fazer-se o datar, ritual em que um pouco de sal é trocado três vezes de mãos entre os recém casados, e entre eles e seus pais. Acredita-se na Índia que aqueles que compartilham o sal não irão discutir nunca, pois passam a ser do mesmo sangue. Assim como o sal se mistura com todos os alimentos e perde sua própria identidade, mas dá aos alimentos seu sabor, da mesma forma, na troca do sal, as famílias consagram, de maneira sutil, uma união que transcende o relacionamento entre os noivos e se extende aos outros membros de ambas as famílias. Também existe uma crença que diz que, se você comer o sal da casa de alguém, você será sempre fiel às pessoas dessa casa.
Pedro Kupfer
http://www.ekadantayoga.com.br
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