Partindo do princípio de que o microcosmo (o ser humano) surgiu do macrocosmo (o Universo), podemos aferir que ambos são a mesma coisa, compartilhando das mesmas energias, elementos e tudo o mais. Desta forma, o corpo humano troca continuamente energia com o cosmo, que é processada por centros de energia, ou vórtices psicoenergéticos chamados de chakras (Ravindra, 2000).
Chakra em sânscrito significa roda, círculo e ciclo. Os chakras se localizam no corpo sutil [Corpo Sutil: O Yoga concebe o corpo humano como um complexo sistema hierárquico de “invólucros”, cada um vibrando em uma frequência ou grau de sutileza diferente. No nível mais baixo está o corpo físico, no mais elevado o “corpo” da Realidade Transcendente. Entre esses dois extremos há uma série de involtórios corporais intermediários, que não são normalmente acessíveis à percepção consciente (Feuerstein, 1997).]
Chakra em sânscrito significa roda, círculo e ciclo. Os chakras se localizam no corpo sutil [Corpo Sutil: O Yoga concebe o corpo humano como um complexo sistema hierárquico de “invólucros”, cada um vibrando em uma frequência ou grau de sutileza diferente. No nível mais baixo está o corpo físico, no mais elevado o “corpo” da Realidade Transcendente. Entre esses dois extremos há uma série de involtórios corporais intermediários, que não são normalmente acessíveis à percepção consciente (Feuerstein, 1997).]
Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p.8): “Para a mente Oriental uma abstração é uma realidade já em existência completa, que poderia realmente tornar-se visível para eles, uma vez que eles podem visualizar qualquer conceito, mesmo que abstrato”. do ser humano, formando o corpo composto de energia vital. Por não serem tridimensionais não podem ser observados fisicamente no corpo. Através do Yoga e da meditação, seria possível visualizá-los em sua forma, cor e outras propriedades. Os chakras são considerados por autores ocidentais como Feuerstein (1989, p.258): “versões idealizadas de estruturas do corpo sutil, criadas para guiar a visualização do yogue”.
A representação gráfica dos chakras é usualmente feita por flores de lótus, cujos círculos em cores foscas contêm de dentro para fora: uma letra do alfabeto sânscrito; um animal; uma forma geométrica; duas divindades, uma feminina e uma masculina; além de um número específico de pétalas para cada chakra, inscritas também com letras em sânscrito.
Cada detalhe gráfico é analisado nos textos clássicos (Avalon, 1964; Leadbeater,1985), sendo um rico material para amplificações simbólicas. A letra no centro do chakra representa seu som ou bija (a semente), ou seja, tudo que o chakra é em potencial; o animal denota o caráter, a motivação do respectivo chakra; já as formas geométricas têm explicações extensas e variáveis. Destaco abaixo um trecho em que Leadbeater (1985, p.125) expõe o seu ponto de vista sobre elas:
...assim como existe um éter luminoso que transmite a luz aos olhos, há uma modalidade especial de éter para o olfato, paladar, ouvido e tato. Esses sentidos estariam relacionados com as formas geométricas; o olfato com o elemento sólido (quadrado), o paladar com o líquido (meia lua), a vista com o gasoso (triângulo), o tato com o aéreo (hexágono) e o ouvido com o etérico (círculo)... ..., pois o som se propaga em círculos, a luz em forma de triângulo, e as propagações para as vibrações do paladar, olfato e tato acabam gerando as formas correspondentes nas representações dos chakras.
As Divindades variam segundo a fonte estudada, e carregam em seus inúmeros braços objetos diversos que representam os atributos necessários ao yogue para conquistar a energia associada ao chakra. O número de pétalas seria determinado pela potência de energia que passa pelo respectivo chakra. As letras em sânscrito desenhadas nas pétalas indicam o som que o praticante deve meditar, seguindo a sequência na qual aparecem, da direita para a esquerda (Avalon, 1964).
Leadbeater (1985) complementa relembrando que, para o Yoga, o alfabeto sânscrito inclui a soma total dos sons da voz humana, podendo ser a manifestação material da Palavra Criadora. O alfabeto sânscrito contém cinquenta letras - 49 e mais a letra ksha - que estão presentes no conjunto formado pelos seis chakras. A meditação sobre elas (nota-se que à medida que se ascende na ordem dos chakras há maior número de pétalas, portanto, maior número de ramificações da energia primária) influiria no alcance do som interno que apagaria o som externo.
Para Avalon (1964), esses símbolos têm a função de apresentar as qualidades energéticas que reinam em cada um desses centros de energia. Já Leadbeater (1985) afirma que nem todos os símbolos contidos na representação dos chakras seriam parte integrante deles, uma vez que símbolos de sabedoria e devoção apareceriam de forma recorrente, com o intuito de lembrar ao praticante dos esforços necessários para se atingir o estado de Yoga (união da alma com Deus). Seriam eles: o amor perfeito (devoção a Deus em todo o tempo), o pensamento perfeito (estudo das coisas espirituais) e a ação perfeita (esforços de purificação).
Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.60-1):
Os chakras são símbolos; juntam na forma de imagem grupos de ideias e fatos complexos e múltiplos. ... Eles simbolizam fatos psíquicos altamente complexos que no momento presente não nos é possível expressar, exceto em imagens. Os chakras são, portanto, de grande valor para nós, porque representam um esforço real de fornecer uma teoria simbólica da psique. A psique é algo tão altamente complicado, tão vasto em extensão e tão rico em elementos desconhecidos para nós, e seus aspectos se sobrepõem e se entrelaçam em um grau tão surpreendente, que nós sempre nos voltamos para símbolos para tentar representar o que sabemos sobre ela. Qualquer teoria sobre isso seria prematura, porque se tornaria emaranhada em particularidades e perderia a visão da totalidade que decidimos considerar. Os símbolos dos chakras nos proporcionam um ponto de vista que se estende além do consciente, são intuições sobre a psique como um todo, sobre suas várias condições e possibilidades. Eles simbolizam a psique de um ponto de vista cósmico.
Muladhara - o chakra da base
“Há cinco elementos: terra, água, fogo, ar e éter. A região da terra abrange desde os pés até os joelhos. É de forma quadrada, da cor amarela e tem a letra Lam. Deve-se meditar sobre esta região aspirando com a letra lam ao longo da região dos pés até os joelhos, e contemplando o quadrifaceado Brahma cor de ouro” (Upanishad Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em muladhara torna-se o lorde da palavra, o rei dos homens, competente para adquirir qualquer tipo de conhecimento. Ele também fica livre de todas as doenças, e seu espírito se enche de alegria (Avalon, 1964, p.354).
Muladhara tem como tradução literal “o suporte das raízes”; é onde se localiza a raiz de sushumna e de todos as nadis. É também em muladhara que a kundalini, representada na forma de uma serpente enrolada três vezes e meia ao redor de um linga [Linga é a representação da genitália masculina, a Deidade masculina associada à Shiva. Metafisicamente, representa a potência ou poder inimaginável da criatividade antes da criação do mundo (Feuerstein, 1997).]
Muladhara, localizado na base da coluna vertebral, é representado por uma flor de lótus com quatro pétalas, nas quais há letras escritas em dourado (vam, sam, sam e sam). Sua essência é prthivi ou a terra. Seu centro está inserido em uma forma quadrangular. Seu bija é lam, que está apoiado sobre um elefante e carrega a imagem de Brahma, encontra-se adormecida, com sua cabeça apoiada na entrada de sushumna (Avalon, 1964). [Brahma é o criador na trindade clássica do hinduísmo, sendo os outros dois deuses Vishnu e Shiva. Não deve ser confundido com Brahman, o absoluto impessoal além de todas as distinções (Feuerstein, 1997).]
Abaixo do bija e sobre o elefante está o trikona ou triângulo invertido, que é uma representação da Yoni, a genitália feminina. O trikona aparece nos chakras da base, no cardíaco e no frontal. Símbolo do princípio feminino, representa o poder da vontade, da sabedoria e da ação. Em cada trikona há três nós especiais ou granthis, através dos quais a kundalini tem que abrir passagem. Compara-se a perfuração desses nós pela kundalini à perfuração dos nós de uma vara de bambu por uma barra de ferro quente. (Feuerstein, 1997). O primeiro nó costuma ser chamado de “o nó de Brahma”; o segundo, “o nó de Vishnu, o criador. A deusa ao seu lado é a portadora da revelação, do conhecimento e da essência das coisas (Avalon, 1964). [Na trindade da Índia medieval, Vishnu representa o princípio da preservação (Feuerstein ,1997).]
Para Feuerstein (1997), esses nós significam desejo, ou mesmo dúvida, que devem ser removidos para que ocorra a realização do Si Mesmo. ” e o terceiro, “o nó de Shiva”.
Dentro de cada trikona, a Deidade masculina está representada na forma de um linga (Avalon, 1964).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em muladhara a consciência está emaranhada nas raízes deste mundo, na realidade que tocamos, no aspecto sthula [O aspecto sthula diz respeito às coisas como as vemos, o mundo concreto, seria o que supomos das coisas, as abstrações ou conclusões filosóficas que tiramos a respeito do que foi observado (Shamdasani, 1996). Para Feuerstein (1997), sthula é o denso, o aspecto mais externo, visível e material de uma coisa; enquanto que suksma refere-se ao sutil, à dimensão interior ou psíquica da existência que não é visível aos olhos físicos, mas que pode ser experimentada na meditação.]. Trata-se de um estágio no qual os deuses dormem (na imagem da flor de lótus, a kundalini está adormecida); ou seja, aqui tudo que concerne aos deuses, a possibilidade de troca do ego [A definição de ego para o Yoga me parece concordante com a definição de ego para Jung. Conforme Feuerstein (1997): “o ego se refere ao princípio psicológico pelo qual a pessoa se experimenta como um indivíduo separado de todos os outros seres”. Por isso, usei o termo livremente durante todo o texto.] com o Si Mesmo está adormecida. Em muladhara o Homem parece ser a única força ativa, e os deuses, ou o impessoal, ou as forças de não-ego são forças ainda não despertadas, em estado de energia potencial.
Muladhara, localizado na base da coluna vertebral, é representado por uma flor de lótus com quatro pétalas, nas quais há letras escritas em dourado (vam, sam, sam e sam). Sua essência é prthivi ou a terra. Seu centro está inserido em uma forma quadrangular. Seu bija é lam, que está apoiado sobre um elefante e carrega a imagem de Brahma, encontra-se adormecida, com sua cabeça apoiada na entrada de sushumna (Avalon, 1964). [Brahma é o criador na trindade clássica do hinduísmo, sendo os outros dois deuses Vishnu e Shiva. Não deve ser confundido com Brahman, o absoluto impessoal além de todas as distinções (Feuerstein, 1997).]
Abaixo do bija e sobre o elefante está o trikona ou triângulo invertido, que é uma representação da Yoni, a genitália feminina. O trikona aparece nos chakras da base, no cardíaco e no frontal. Símbolo do princípio feminino, representa o poder da vontade, da sabedoria e da ação. Em cada trikona há três nós especiais ou granthis, através dos quais a kundalini tem que abrir passagem. Compara-se a perfuração desses nós pela kundalini à perfuração dos nós de uma vara de bambu por uma barra de ferro quente. (Feuerstein, 1997). O primeiro nó costuma ser chamado de “o nó de Brahma”; o segundo, “o nó de Vishnu, o criador. A deusa ao seu lado é a portadora da revelação, do conhecimento e da essência das coisas (Avalon, 1964). [Na trindade da Índia medieval, Vishnu representa o princípio da preservação (Feuerstein ,1997).]
Para Feuerstein (1997), esses nós significam desejo, ou mesmo dúvida, que devem ser removidos para que ocorra a realização do Si Mesmo. ” e o terceiro, “o nó de Shiva”.
Dentro de cada trikona, a Deidade masculina está representada na forma de um linga (Avalon, 1964).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em muladhara a consciência está emaranhada nas raízes deste mundo, na realidade que tocamos, no aspecto sthula [O aspecto sthula diz respeito às coisas como as vemos, o mundo concreto, seria o que supomos das coisas, as abstrações ou conclusões filosóficas que tiramos a respeito do que foi observado (Shamdasani, 1996). Para Feuerstein (1997), sthula é o denso, o aspecto mais externo, visível e material de uma coisa; enquanto que suksma refere-se ao sutil, à dimensão interior ou psíquica da existência que não é visível aos olhos físicos, mas que pode ser experimentada na meditação.]. Trata-se de um estágio no qual os deuses dormem (na imagem da flor de lótus, a kundalini está adormecida); ou seja, aqui tudo que concerne aos deuses, a possibilidade de troca do ego [A definição de ego para o Yoga me parece concordante com a definição de ego para Jung. Conforme Feuerstein (1997): “o ego se refere ao princípio psicológico pelo qual a pessoa se experimenta como um indivíduo separado de todos os outros seres”. Por isso, usei o termo livremente durante todo o texto.] com o Si Mesmo está adormecida. Em muladhara o Homem parece ser a única força ativa, e os deuses, ou o impessoal, ou as forças de não-ego são forças ainda não despertadas, em estado de energia potencial.
Vivemos em muladhara, pois estamos emaranhados nas causalidades terrestres, dependentes da nossa vida consciente como ela realmente é, e condicionados por ela. Muladhara é a consciência total de todas as experiências pessoais externas e internas (Jung apud Shamdasani, 1996, p.12).
Também em muladhara, ou seja, nas raízes, na terra sobre a qual estamos, no mundo consciente, em nossa existência pessoal e corpórea, quando estando cientes apenas da realidade egóica, somos vítimas de tudo que seja não-ego. Tudo além do ego é escuridão e inconsciência, somos vítimas dos impulsos, dos instintos, da inconsciência, da participação mística. Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.15): “...somos apenas racionais, ou tão irracionais quanto animais inconscientes...”.
Jung sugere que o elefante, animal ilustrado neste chakra, representa força, solidez e firmeza, características necessárias ao ego neste estágio, para que ele não sucumba e se dissolva no inconsciente:
...o elefante representa aquele impulso tremendo que suporta a consciência humana, a força que nos faz construir tal mundo consciente. Para o hindu o elefante funciona como o símbolo da libido domesticada, como funciona conosco a imagem do cavalo. Ele significa a força da consciência, o poder da vontade, a capacidade de se fazer o que se quer fazer (Jung apud Shamdasani, 1996, p.51).
Em muladhara ainda não teria se iniciado o processo de individuação [Para Jung o Processo de Individuação inicia-se na segunda metade da vida, quando o indivíduo já adaptado ao meio externo, poderia mobilizar energia psíquica para sua individuação, ou seja, para tornar-se o que nasceu para ser de fato, um ser único. No entanto há muita controvérsia sobre o assunto, autores pós junguianos discordam de Jung, entendendo que o Processo de Individuação estaria em funcionamento desde o início da vida. Neumann, por exemplo, acredita que o sistema psíquico tende a desenvolver-se desde o princípio para que ocorra tanto uma adaptação ao mundo externo, como ao mundo interno. Para isso existiriam duas funções: a centroversão que funcionaria no sentido de diferenciar o ego do inconsciente, e o automorfismo, que seria uma tendência inerente ao sistema psíquico de formar seu próprio ser a partir de elementos particulares que o constituem; independentemente, ou até mesmo, em oposição à coletividade. Fordham, outro autor pós junguiano, teorizou o conceito de self primário, estrutura presente e ativa desde a vida intra-uterina, dirigida por um padrão que emerge do self total. Por isso o self primário contém todos os potenciais arquetípicos inatos, que poderão ser deflagrados e expressos ,no decorrer da vida através dos mecanismos de deintegração (o self em interação com o meio ambiente, sofre divisões espontâneas em partes que se projetam no objeto) e reintegração (introjeção das partes deintegradas como uma energia que retorna ao self, agora transformada pela experiência).] ; aqui o Homem é individual, como toda forma de vida na terra. Mas “a individuação só acontece quando você está consciente dela, enquanto que a individualidade está sempre lá, desde o início da sua existência” (Jung, apud Shamdasani, 1996, p. 5). Jung afirma que as convicções do mundo de muladhara são extremamente necessárias. Para ele, é vital que se seja racional, e que se acredite na certeza deste mundo concreto; caso contrário, não nos enraizamos em muladhara, não nos conectamos com esse mundo. Somente nascendo nele poderemos, então, tomar consciência do Self e, a partir daí, iniciar o processo de individuação.
...se você tocar a realidade na qual vive, e permanecer nela por várias décadas, se você deixar sua marca, então o processo impessoal pode começar. Deve-se entender que o broto, o traço pessoal, precisa penetrar no solo para dele sair (Jung apud Shamdasani, 1996, p.29).
Em Shamdasani (1996), Jung conta um mito cosmogônico no qual o homem teria sido gerado muito abaixo da terra, numa caverna negra como piche. Com o passar do tempo, foi subindo de caverna em caverna até, finalmente, atingir a superfície. A história é uma alusão ao desenvolvimento da consciência em relação ao inconsciente, ou ao caminho ascendente da kundalini através dos chakras, que vai alcançando novos estágios e se aproximando da luz. Dentro do sistema de chakras, a experiência mística central - atingir sahashara - é representada pela luz, para a Psicologia Analítica, a luz pode ser entendida como um aumento do grau de consciência reflexa: conteúdos anteriormente inconscientes são acrescentados à consciência, aumentando seu grau de percepção, ou de luz. “Trata-se de um estado iluminado, em relação à relativa obscuridade do estágio anterior” (Jung 1980, v. XII-5, p. 828).
Jung (apud Shamdasani, 1996, p.30):
... o homem foi gerado bem em baixo da terra; depois de eras incontáveis de uma existência adormecida e absolutamente escura como a de um verme, dois mensageiros celestes desceram a eles e plantaram todas as plantas. Finalmente um tipo de junco cresceu e juntou-se como uma escada longa o bastante para ir através da abertura no teto; então os homens puderam subir e atingir o chão da próxima caverna, mas ainda era escuro. Depois de um longo tempo, puderam subir da mesma maneira até a terceira caverna, e então, novamente, eras mais tarde, subiram para a quarta caverna e lá atingiram a luz; mas era uma luz pálida e incompleta. Esta caverna se abria para a superfície da terra, pela primeira vez o homem viu a superfície da terra, mas ainda era escuro. Finalmente eles aprenderam a fazer uma luz brilhante, da qual o sol e a lua foram criados.
Jung vê no despertar da kundalini o despertar dos deuses. Para ele, o despertar da kundalini é o início da relação ego-Self, o despertar da individuação, pois para iniciarmos este processo temos de ressoar com o Self, se não seremos apenas uma individualidade. Assim, após o enraizamento em solo pessoal, muladhara, pode-se iniciar a relação com os deuses. O ego começa a perceber um poder além dele mesmo, e entra em contato com a dualidade da psicologia humana, seja ela consciente e inconsciente.
Essa necessidade de desprender-se do mundo pessoal e conectar-se ao suprapessoal é também sugerida no cristianismo:
No cristianismo esta visão se repete; o mundo na terra é somente uma preparação para uma condição superior, e o aqui e agora, o estado de estar envolvido neste mundo é engano, pecado... A transfiguração e a ascensão de cristo são a representação e a antecipação simbólica do desejado fim, isto é, ser elevado acima do pessoal (Jung apud Shamdasani, 1996, p.67).
Quando o ego se percebe não único, entra em contato com as forças não-ego, mergulhando nas águas do inconsciente. Como um paralelo com o Kundalini Yoga, saímos de muladhara e penetramos em svadhisthana.
Svadhisthana - chakra sacral
“Há cinco elementos: terra, água, fogo, ar e éter. A região da água estende-se dos joelhos ao ânus. Tem forma de meia-lua, é de cor branca e seu bija é vam. Aspirando com a letra vam ao longo da região da água, deve-se meditar no deus Narayana, que tem quatro braços, cabeça coroada, é de puro cristal, está vestido com roupas laranjas e não decai...” (Upanichade Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em svadhisthana torna-se imediatamente libertado de seus inimigos, como a culpa, o egoísmo e assim por diante. Torna-se um lorde entre os yogues e sua luz ilumina a escuridão da ignorância (Avalon, 1964, p.364).
Svadhisthana localiza-se nas raízes das genitálias e é representado por uma flor de lótus de seis pétalas; em cada uma delas lemos as letras Bam, Bham, Mam, Yam, Ram, Lam. A essência dessa flor de lótus é a água, e seu centro está inserido dentro de uma forma de meia lua crescente. Seu bija é Vam, que se apóia em um animal marinho, descrito como algo parecido com um crocodilo, com as mandíbulas abertas mostrando seus dentes (Avalon, 1964).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em svadhisthana estamos no mundo do inconsciente. Inundado pelos conteúdos deste, o ego deve absorvê-los e integrá-los, ou defender-se de alguma forma, sob o risco de ser aniquilado pelo monstro marinho. A força que sustentou o ego em muladhara, o elefante, em svadhisthana torna-se o leviatã. Assim, o poder que sustenta o ego no mundo consciente torna-se seu pior inimigo quando o ego penetra no inconsciente, pois aqui estamos em outro mundo, e as forças que nos mantêm conectados ao mundo concreto agirão contra o movimento necessário para que a transformação aconteça, para que se possa abdicar do velho e aceitar o novo, como o processo natural de uma psique saudável.
A simbologia da água aparece frequentemente em sonhos nos quais questões, valores e complexos do analisando estão se dissolvendo nas águas do inconsciente (morte simbólica), para que algo novo possa surgir (renascimento). Esse processo ao qual o ego é submetido pode ser ilustrado pelo mito do sol:
...o sol à tarde está ficando velho e fraco e, portanto, afunda no mar ocidental, viaja por baixo das águas (a viagem noturna no mar), e se ergue de manhã renascido no leste. Assim, o segundo chakra poderia ser chamado o chakra do batismo, ou do renascimento, ou da destruição, qualquer que pudesse ser a consequência do batismo (Jung apud Shamdasani, 1996, p.17).
A questão do renascimento é aludida, em termos claros ou velados, em todo o saber religioso da humanidade. Assim, após ter nascido na/da terra é necessária uma morte simbólica e um renascimento. Tal fenômeno de transformação ou renascimento é mencionado por Cristo em linguagem metafórica, quando de seu diálogo com Nicodemus (conforme já citado em nota de rodapé acima):
Em verdade vos digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não vos maravilheis em vos ter dito: necessário vos é nascer de novo (Gopi Krishna, 2004, p.56).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996, p.31):
A primeira exigência de um culto de mistério sempre foi entrar na água, na fonte batismal. O caminho para qualquer desenvolvimento mais elevado conduz através da água, com o perigo de ser tragado pelo monstro. No ritual católico do batismo, o padre se aproxima da criança com uma vela e profere: Dono tibi lucem eternam; “eu te dou a luz eterna”, assim a criança recebe a alma imortal que não possuía antes; é nascida duas vezes.
Esse processo de afundar nas águas do inconsciente, enfrentar os monstros, deixar que algumas partes morram para poder renascer transformado não é um processo ao qual o ego se submete voluntariamente. É, na realidade, imposto por uma força maior que o conduz, o Self, e é ativado por uma grande descarga de energia psíquica, a energia anímica. Desta forma, o progresso para o segundo chakra só é possível se houver o despertar da kundalini, a energia divina que impulsiona o ego em busca de tornar-se uma completa realização de si-mesmo. Jung (apud Shamdasani, 1996) sugere que a energia da kundalini seja a energia anímica:
...uma centelha que guia, algum incentivo que o força através das águas e em direção ao próximo centro, esta centelha é a kundalini, algo absolutamente irreconhecível, que pode aparecer talvez como medo, como uma neurose ou como um vívido interesse, mas é algo superior a sua vontade. Caso contrário você não passa por isso, você vê o leviatã e foge; mas se esta centelha viva, este impulso, esta necessidade o pega pelo pescoço, você não pode voltar, você tem que enfrentar a música (Jung apud Shamdasani, 1996, p.21).
Jung (apud Shamdasani, 1996, p.17) questiona:
O que acontece quando travamos conhecimento com o inconsciente e o levamos a sério? Desejo, paixões, sexo, poder, todo o mundo emocional, todos os demônios de nossa natureza se soltam..., assim, se não sucumbirmos ao leviatã, poderemos esperar a manifestação de uma nova vida, de luz, intensidade, de alta atividade, entramos então em manipura.
Manipura - o chakra umbilical
“Há cinco elementos: terra, água, fogo, ar e éter. A região do fogo está compreendida entre o ânus e o coração. É de forma triangular, de cor vermelha, e tem por semente a letra ram. Retendo alento com a letra ram que o faz resplandecer ao longo da região do fogo, deve-se meditar em Rudra, que tem três olhos, concede tudo que se deseja, é de cor do sol meridiano, está todo tisnado de cinzas sagradas e possui aspecto agradável...” (Upanichade Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em manipura adquire o poder da criação e da destruição (Avalon, 1964, p.369).
Manipura situa-se na região do umbigo, sobre o plexo solar, e é representado por uma flor de lótus de dez pétalas com as seguintes letras escritas em cada uma delas: Dam, Dham, Nam, Tam, Tham, Dam, Dham, Nam, Pam, Pham. A essência dessa flor de lótus é o fogo, e seu centro está inserido em um triângulo do qual saem três suásticas, uma marca auspiciosa. Seu bija é Ram, e se apóia sobre um carneiro (Avalon,1964).
Manipura significa a cidade das joias, é o centro do fogo, é onde o sol nasce, “a abundância da força divina que nunca acaba, a primeira luz que surge após o batismo” (Avalon, 1964, p.367).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 35), em manipura estamos no centro das emoções: “o mundo todo está em chamas, e nós vazando o fogo do desejo”. Nesta jornada heróica, o ego que se libertou do aprisionamento no mundo concreto em muladhara, e se dissolveu em svadhisthana, enfrentando a perigosa viagem noturna sob o mar, pode renascer como um novo sol. Aqui, a energia emocional é liberada, e se apresenta ao ego, que se torna, então, consciente de seus desejos, seus medos, suas paixões... Quando o ego absorve conteúdos do todo, torna-se parte da substância divina, pronto para o avanço em direção ao próximo chakra, ou correndo o risco de ser queimado pelo fogo das emoções.
Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 35, grifos nossos), já indicando o processo da saída de manipura e a entrada em anahata:
Quando as pessoas travam conhecimento com o inconsciente elas brilham subitamente, elas explodem; antigas emoções enterradas reaparecem, toca-se o fogo que estava esquecido embaixo das cinzas. Após ter caído no inferno e ter enfrentado um redemoinho de paixões, instintos e desejos, pode vir a descoberta de uma essência impessoal. O ser então pode perceber que não precisa estar identificado com seus desejos ou medos.
Em manipura o carneiro é o animal simbólico - ele não é mais a força insuperável do elefante, nem o leviatã das profundezas do chakra anterior; o perigo diminuiu. Ele é um animal sacrificial. Agora, o ego deve sacrificar seus desejos ou paixões fundamentais, não há mais o risco de ser afogado na inconsciência, ele superou o pior perigo ao tornar-se consciente de seus desejos, medos ou paixões.
Anahata - o chakra cardíaco
“Há cinco elementos: terra, água, fogo, ar e éter. A região do ar está compreendida entre o coração e a região entre as sobrancelhas. É hexagonal, de cor preta, e brilha com a letra yam. Levando o alento ao longo da região do ar, deve-se meditar em Ishwara, o onisciente, de rosto voltado para todos os lados...” (Upanichade Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em anahata se torna o criador, o protetor e o destruidor dos mundos, por ter se identificado com a substância de Brahman (Avalon, 1964, p.379).
Anahata situa-se na região do coração. Desde o tempo dos Vedas, anahata é considerado um local especial do sagrado dentro do corpo humano, é o assento secreto do divino, o lugar onde o som imortal om, que não é produzido por nada, pode ser criado (Feuerstein, 1997).
Anahata é representado por uma flor de lótus de doze pétalas, com as seguintes letras escritas em cada uma delas: Kam, Kham, Gam, Gham, Nam, Can, cham, Jam, Jham, Jnam, Tam, Tham. A essência dessa flor de lótus é o ar, e seu centro está inserido numa figura de seis pontas formada por dois triângulos, um deles invertido. Seu bija é Yam, que se apóia em uma gazela. Aqui reaparece o trikona.
Em anahata, o linga que está dentro do trikona aparece em dourado, o que, para Leadbeater (1985), representa o embelecimento da deidade masculina (o linga) pela presença de jivatman ou triângulo invertido, o nó ou granthi através do qual a kundalini tem de abrir passagem. [Jivatman é a consciência individual. Para o Vedanta e as escolas de Yoga, pré e pós-clássicas, a libertação consiste na fusão do si mesmo individual (Jivatman) com o Si Mesmo Transcendente (Feuerstein, 1997).]
Ao sair de manipura e entrar nos domínios de anahata, ocorre uma grande mudança na relação do ego com o todo. Cada vez mais consciente da existência de uma essência impessoal, o ego pode iniciar o processo de libertação do aprisionamento no corpo e nas emoções, o que denota uma sutilização da capacidade de percepção egóica, ou, em linguagem psicológica, denota o movimento gradual e contínuo de ampliação da consciência. , o ser vivente ou o ego. Este se apresenta como uma chama tranquila que não se perturba com o vento, uma vez que, em anahata, o ego torna-se completamente ciente de algo maior, purusha ou o Self , e por isso adquire a capacidade de não sofrer mais com as perturbações da mente.
Em suas conferências, Jung traça um paralelo com o corpo: em anahata ultrapassamos a linha do diafragma chegando à região dos pulmões. Aqui, teríamos subido de partes mais concretas no corpo (órgãos mais densos), para partes mais sutis (tórax e pulmões, regiões menos densas). Elevamo-nos da terra (muladhara) e entramos em contato com o ar (anahata), com substâncias mais sutis, com o divino em si mesmo.
Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 31):
Você agora é parte daquilo que não está mais no tempo, no espaço tridimensional; você pertence agora a uma ordem das coisas tetradimensionais, onde o tempo é uma extensão, onde o espaço não existe e o tempo não é, onde só há duração infinita; eternidade...
Ou:
Purusha é visto pela primeira vez em anahata. É a essência do Homem, o Homem supremo, o assim chamado Homem primordial. Este é o primeiro pressentimento de um ser dentro de sua existência fisiológica, ou física, que não é você mesmo. Um ser no qual você está contido; que é maior e mais importante que você, mas que tem uma existência inteiramente psíquica (op. cit., p.39).
Portanto, em anahata, centro energético localizado acima do diafragma, na região do coração, e que tem como sua essência (substância) o ar, nos aproximamos das questões abstratas:
...no diafragma cruzamos o limiar entre as coisas visíveis e tangíveis e as coisas quase invisíveis e intangíveis. Estas coisas invisíveis em anahata são as coisas psíquicas, pois esta é a região do que é chamado sentimento e intelecto. O coração é característico do sentimento, e o ar é característico do pensamento... (Jung apud Shamdasani, 1996, p.44).
A importância real dos nossos sentimentos e pensamentos só fica clara para nós quando os reconhecemos como forças propulsoras em nossas vidas. Quando o homem atinge esse nível na civilização, ou no seu desenvolvimento individual, podemos dizer que ele está em anahata (Shamdasani, 1996, p.45), o centro onde as “coisas psíquicas” começam, onde se dá o reconhecimento das ideias e dos valores. Aqui, estamos mais conscientes da substancialidade e/ou da existência real do mundo psíquico.
Anahata traz a gazela como o animal que define suas características. A gazela não é um animal domesticado, nem um animal sacrificial, nem agressivo, é um animal excessivamente cauteloso, esquivo e veloz.
A gazela parece voar com grandes saltos; é leve e só toca a terra aqui e ali; Ela é um animal da terra, mas é quase libertada da força da gravidade. Tal animal seria adequado para simbolizar a força, a eficiência e a leveza da substância psíquica: pensamento e sentimento. A gazela também denota que em anahata a coisa psíquica é um fator evasivo, dificilmente apanhado (Jung apud Shamdasani, 1996, p.52).
Mas que força poderia nos elevar acima do diafragma, ou acima da terra, nos aproximando do divino? Para responder à questão, Jung utiliza-se da mitologia egípcia:
...no simbolismo religioso do antigo Egito, o faraó morto vai para o mundo de baixo e embarca no barco do sol de Rá. Viaja através da noite, subjuga a serpente, e então se eleva novamente com o Deus percorrendo os céus por toda a eternidade. O faraó, sendo idêntico ao sol, ergue-se acima do horizonte com o navio do sol, e viaja através dos céus.
Assim, o contato com o sol, em manipura, te ergue e te afasta até uma esfera acima da terra. Psicologicamente, esta saída da terra pode ser entendida como uma retirada do mero funcionamento emocional; a partir daqui você começa a pensar, a refletir sobre as coisas, ao invés de seguir seus impulsos de uma maneira desenfreada. Você pode deter-se a si mesmo, e assim desidentificar-se das próprias emoções. Em anahata surge a possibilidade de se elevar acima dos acontecimentos emocionais, e, desta forma, poder olhar para eles (Jung apud Shamdasani, 1996, p.39).
Para Jung, quando começamos a nos diferenciar da explosão de paixões, começamos a pressentir o Self. Nesse momento, o processo de individuação teria início. Aqui é necessário cuidado para que não haja uma inflação, ou seja, o perigo do ego identificar-se com o Self. É importante manter-se ciente que a individuação é tornar-se algo que não é ego; “o ego se descobre como um mero apêndice do Self, num tipo de conexão frouxa.” (Jung apud Shamdasani, 1996, p.39).
Mas, apesar de, em muitos sentidos, já termos como humanidade atingido o estágio de anahata, se observarmos nossa própria forma de funcionamento, e a do mundo, perceberemos que o aprisionamento em manipura ainda é muito frequente. Assim, quando somos expostos a emoções intensas, facilmente sucumbimos e “esquecemos” deste Ser maior, tornando-nos reféns de nossos desejos e/ou medos: “...vocês veem que anahata é ainda muito tênue, e a psicologia de manipura está muito perto de nós. Ainda temos que ser gentis com as pessoas para evitar as explosões de manipura” ((Jung apud Shamdasani, 1996, p.41).
Vishuddha, o chakra laríngeo
“Há cinco elementos: terra, água, fogo, ar e éter. A região do éter está compreendida desde a região entre as sobrancelhas até o alto da cabeça. É circular, de cor esfumaçada, e brilha com a letra ham. Levando o alento ao longo da região do éter deve-se meditar em Sadashiva, considerando-o nos seguintes aspectos: produtor de felicidade; em forma de gota brilhante como puro cristal; com a meia lua sobre a cabeça; cinco rostos; dez cabeças e três olhos. Atitude pacífica; armado de todas as armas; engalanado com toda classe de ornamentos; com a deusa Uma numa metade de seu corpo; disposto a outorgar favores; e a causa de todas as causas” (Upanichade Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em vishuddha, torna-se um grande sábio eloquente que usufrui de uma ininterrupta paz em sua mente. Ele vê os três períodos (passado, presente e futuro), é o benfeitor de tudo, está livre de doenças e dor, remove os perigos (Avalon, 1964, p.390).
Vishuddha situa-se na região da garganta. É representado por uma flor de lótus de dezesseis pétalas, com as seguintes letras escritas em cada uma delas: am, am, im, im, um, um, rm, rm, lrim, lrim, em, aim, om, oum, am, ah. Essas letras estão brilhantes e visíveis para aqueles cuja mente ou intelecto está livre das impurezas do mundo. A essência dessa flor de lótus é o éter, e seu centro está inserido numa figura circular e branca, como a lua cheia. Seu bija é ham, que é branco, e se apóia sobre um elefante. É conhecido como o grande portal para a libertação (Avalon, 1964).
No caminho ascendente dos chakras observamos uma espécie de transformação do elemento, com um aumento da volatilidade de sua substância. Assim, o processo iniciado em muladhara, a terra, passou a svadhisthana, a água, chegando a manipura, o fogo, e a anahata, o ar. A ideia que permanece é a de que estamos transformando a matéria bruta em matéria sutil, ou para Jung, em matéria psíquica:
... a ideia da transformação dos elementos mostra a analogia do Yoga Tântrico com nossa Filosofia Alquímica Medieval. Lá se encontram exatamente as mesmas ideias: a transformação da matéria bruta na sutil matéria da mente, a sublimação do Homem (Jung apud Shamdasani, 1996, p.43).
A partir de vishuddha o centro do éter, atingimos um ponto em que o fenômeno se torna mais e mais abstrato, ficando difícil para nossa consciência ocidental apreendê-lo e evidenciar nisso algum valor prático. Apesar de já termos (como consciência coletiva) alcançado uma forma de consciência mais perspicaz (anahata) que reconhece um “algo maior” (Self ou purusha), ainda não confiamos na segurança da realidade não material; portanto, ainda não alcançamos vishuddha.
Para Jung (Jung apud Shamdasani, 1996, p.47):
...Nós ainda acreditamos em um mundo material construído de matéria, força física, etc. E nós ainda não conseguimos conectar a existência ou substância psíquica com a ideia de qualquer coisa cósmica ou física. Nós ainda não achamos a ponte entre as ideias da física e da psicologia.
Este (vishuddha) é o mundo das ideias abstratas e dos valores. O mundo onde a psique existe em si mesma, onde a realidade psíquica é a única realidade, ou, onde a matéria é somente uma fina casca em volta de um enorme cosmos de realidades psíquicas. A matéria é a borda ilusória ao redor da existência real, que é psíquica. ...se nossa experiência atingisse tal nível, nós teríamos um panorama extraordinário de purusha; aí purusha seria realmente o centro das coisas, não mais uma visão pálida, mas uma realidade fundamental (op. cit., p.47, grifos nossos).
Quando Jung se refere a “realidade psíquica como a única realidade”, ou “a existência real que é psíquica”, é importante refletir sobre o termo psique ou psíquico:
A definição de psique para o dicionário Michaelis (2009, ed. Melhoramentos) é: 1 a alma; a mente; manifestação dos centros nervosos. 2 Psicologia: conjunto dos processos psíquicos conscientes e inconscientes.
Assim surge a dúvida; estaríamos falando de Alma? Mente? Manifestações biológicas do cérebro? Ou sobre o conjunto de processos conscientes e inconscientes? Jung define a psique como a totalidade dos processos psíquicos conscientes e inconscientes, entendendo-a como uma estrutura responsável pelo movimento, crescimento, mudança e transformação do indivíduo. Dessa forma a psique abrangeria todos os elementos (Ego, Sombra, Anima- Animus, Self) e o dinamismo entre eles. Se estes elementos, por definição, abrangem um aspecto pessoal e um aspecto coletivo, quanto mais profundamente atingirmos as camadas da psique, mais estaremos em contato com o que Jung chama de psique objetiva, ou o inconsciente coletivo. Ao longo do texto o leitor notará que Jung utiliza-se dos termos psique ou psíquico de uma forma mais ou menos redutiva (psique individual ou psique objetiva); sendo necessário entender o contexto para saber sobre o que ele se refere.
Para Jung, (Jung apud Bloise, 2000, p.159):
“Quanto mais profundas forem as camadas da psique, mais perdem sua originalidade individual. Quanto mais profundas, mais se afastam dos sistemas funcionais autônomos, mais coletivas se tornam, e acabam por universalizar-se e extinguir-se na materialidade do corpo, isto é, nos corpos químicos. O carbono do corpo humano é simplesmente carbono; no mais profundo de si mesma, a psique é o universo.”
Em vishuddha Jung não está falando de uma psique individual, e provavelmente vai mais longe do que a psique objetiva ou inconsciente coletivo; neste momento ele parece falar do “lugar” onde a psique se funde às leis do universo, quando então aparece a realidade sincronística, ou seja, a intersecção das realidades “interna” e “externa”, o nível psicóide, que é neutro em caráter; nem totalmente psicológico nem totalmente fisiológico.
Para Bloise (2000, p.159):
ouPor meio do conceito de inconsciente coletivo, Jung faz uma ponte entre a psique e o cosmos, ou seja, entre a psique e a matéria. Essa ligação é importante, pois se aproxima da idéia taoísta de um continuum entre corpo-espírito, e também por tentar explicar a ocorrência de eventos sincrônicos.
A compreensão da sincronicidade permite encarar a vida não como um fenômeno isolado, independente, mas como algo interativo. Se influímos no ambiente à nossa volta, ele “responde”: as vezes de forma direta e concreta, as vezes de forma simbólica e subjetiva... ...Essa atenção ao ato de viver, que deseja apreender como nossa existência influi e é influenciada pelas outras, é característica tanto do taoísta, como do indivíduo que aprende a notar as sincronicidades (op. cit., p.253).
Conforme Aufranc (2004, p.21):
ouDiríamos que na perspectiva da Psicologia Analítica as discriminações de espaço e de tempo são discriminações da consciência, não são qualidades do inconsciente coletivo. Para além das categorias de espaço, tempo e de causalidade, temos a sincronicidade, uma vez que a psique e a matéria são dois aspectos, duas formas de expressão do Todo. Diríamos que o arquetípico é a evidência da existência de uma ordem geral cósmica que inclui a matéria e o espírito. O arquétipo psicóide, ou seja, a essência irrepresentável e inconsciente do arquétipo, está na origem não apenas da psique como também da estrutura do universo.
Para Jung (Jung apud Aufranc, 2004, p.21):
A natureza psicóide do arquétipo contém bem mais do que pode ser incluído em uma explicação psicológica. Ela aponta para a esfera do unus mundus, do mundo unitário, em direção ao qual o psicólogo e o físico atômico estão convergindo a partir de caminhos separados.
O leitor poderia encontrar dificuldade em diferenciar anahata de vishuddha, uma vez que ambos dizem respeito ao mundo das ideias, emoções, valores... No entanto, em anahata existem condições externas que justificam o pensamento e o sentimento; eles estão conectados com os objetos externos, entrelaçados em fatos concretos. Em vishuddha, os pensamentos e sentimentos existem e são em si mesmo.
Jung comenta que na passagem de manipura para anahata, o indivíduo tem de aprender que suas emoções e pensamentos devem ter uma base real, devem estar ancorados em fatos concretos. Mas, na passagem de anahata para vishuddha, torna-se necessário desaprender tudo isso, devendo-se até admitir que os fatos psíquicos não são secundários aos fatos materiais - eles são um fenômeno em si mesmo. Na verdade, tudo é a mesma coisa, tudo é energia, tudo é psíquico.
Para Jung (apud Shamdasani, 1996, p.50):
Se você atingiu este estágio, você deixou anahata. Você teve sucesso em dissolver os fatos materiais externos e os fatos internos ou psíquicos, tornando-os uno. Você começa a considerar o jogo do mundo como seu próprio jogo. As pessoas que aparecem fora são representantes da sua própria condição psíquica. O que quer que aconteça com você, qualquer que seja a experiência ou aventura que você tenha no mundo externo, é sua própria experiência.
O elefante aparece novamente em vishuddha; assim, a força insuperável do animal que em muladhara nos conduziu para a realidade concreta não está mais sustentando a terra, e sim as substâncias mais etéreas, mais irreais e mais voláteis. O elefante agora apóia os conceitos, para que estes se tornem realidades.
A força do elefante é emprestada para as realidades psíquicas que nossa razão gostaria de considerar como meras abstrações. A insuperável força da realidade não está mais sustentando fatos da terra, mas os fatos psíquicos (Jung apud Shamdasani, 1996, p.56).
Jung comenta que vishuddha não é um espaço onde qualquer homem pode penetrar; ao atingi-lo estará em um espaço sem ar, preenchido por éter [Jung fala do éter como uma substância que penetra em todo o lugar, mas que não pode ser encontrada. Uma substância que não compartilha das qualidades que a matéria deveria ter, “a matéria que não é matéria” (Jung apud Shamdasani, 1996, p.42). A substância denominada éter é atualmente reconhecida como uma molécula orgânica formada pela desidratação intramolecular de álcoois; no entanto, até o século XIX, era também o nome da substância que os físicos acreditavam que existia em todo o universo, mas sem massa, volume e indetectável, pois não provocaria atrito. Seria um meio elástico hipotético, no qual se propagariam as ondas eletromagnéticas. Os físicos do século XIX sabiam que a luz tinha natureza ondulatória, e imaginavam que esta deveria precisar de um meio para propagar-se; esse meio seria o éter, ou éter luminífero. Suas características seriam tais que não alterariam as rotas dos planetas, mantendo], onde não há chance para o indivíduo comum respirar. Como já dissemos, a flor de lótus de vishuddha é preenchida por éter; “uma matéria que não é matéria” (Shamdasani, 1996, p.42). Desta forma, aqui é necessária, além da integração dos quatro elementos (chakras anteriores), uma nova esfera de abstração.
Este é somente o quinto chakra e já estamos além do ar que respiramos, estamos atingindo o futuro remoto da espécie humana, ou de nós mesmos. Qualquer homem tem, pelo menos, a faculdade potencial de experimentar vivências que estarão consteladas na experiência coletiva em dois mil anos, talvez até, em dez mil anos. O que está sendo tratado por nós hoje já foi experimentado milhões de vezes antes pelos curandeiros primitivos, ou pelos Gregos ou Romanos... Em vishuddha atingimos um futuro que ainda não possuímos. Assim, é um tanto audacioso falar do sexto chakra a seguir, mas podemos tentar construir algo teórico (Jung apud Shamdasani, 1996, p.56).
Ajna - o chakra frontal
Situado na fronte entre as sobrancelhas, Ajna é também conhecido como o terceiro olho, o órgão da clarividência. Está representado por uma flor de lótus que imita a lua, tem apenas duas pétalas com as letras há e ksa inseridas nelas, em um branco brilhante. O ajna chakra contém a representação simbólica do falo (linga), símbolo da criatividade masculina ou Shiva, dentro de um triângulo invertido; o trikona, símbolo do princípio feminino ou Shakti. Sua essência (bija) é a sílaba sagrada om “a manifestação da inteligência pura” [Em Feuerstein (1997, p.), om é o mundo inteiro: “sua explicação é o passado, o presente e o futuro, e o que quer que transcenda o tempo tríplice, é apenas o som om . Compreende os quatro estados de consciência; vigília, sonho, sono, e o Si Mesmo Transcendente.”]. Aqui ocorre a união do senso de individualidade (o ego), da mente inferior manas, [Manas, a mente inferior que organiza as informações recebidas pelos sentidos, em oposição à mente superior intuitiva (buddhi), fonte de sabedoria. As escrituras do Yoga enfatizam a tendência à duvida e à volição, próprias da mente inferior; ela pode ser pura ou impura, dependendo de estar ou não cheia de desejos (Feuerstein, 1997).] com o todo, representado pela sílaba sagrada om. Neste momento, é possível ao homem transcender inteiramente sua consciência finita, compreende que é um espírito imortal dentro de um corpo mortal. Todas as alterações externas e internas não constituem um problema; a mente atinge um estado de esclarecimento cósmico não diferenciado - é o fim da dualidade (Feuerstein, 1997; Avalon, 1964; Johari, 1990).Aquele que medita em ajna pode entrar em qualquer corpo segundo a própria vontade. Torna-se um mestre que tudo sabe e tudo vê. Torna-se o benfeitor de todos. É versado no conhecimento divino. Percebe a sua unidade com Brahman, recebendo poderes infindáveis e desconhecidos (Avalon, 1964, p.400).
Aqui dissolvem-se os diversos elementos, do mais concreto ao mais sutil. No final haverá a união da kundalini com o ego e com o bija om deste chakra, significando a união de Shiva e Shakti. Isso feito, atinge-se Brahma-Randhra [Brahma-Randhra é o orifício bramânico no topo da cabeça, onde já se atingiu sahashara. Aqui acontece o processo transcendente de expansão e contração que caracteriza o divino (Feuerstein, 1997).], deixa-se o corpo físico e mergulha-se em Brahman (Avalon, 1964, p.412).
Jung especula sobre o fato de, na representação gráfica do ajna chakra, não haver qualquer animal. Para ele, isso pode significar que não existe nada, nenhum fator psíquico contra ou a nosso favor, cuja força poderíamos sentir. Seria o fim da dualidade; o lado animal não mais se confronta nem é confrontado com o lado divino, pois ambos são, agora, absolutamente idênticos.
Em vishuddha a realidade psíquica ainda era oposta à realidade física, por isso era necessário o suporte do elefante branco para sustentar a realidade da psique. Em visuddha, a matéria e o psíquico se dissolvem tornando-se o todo, em ajna já estamos no todo, não haverá mais a diferenciação entre o psíquico e o físico.
Em ajna você (ego) sabe que não é nada além de psique. E que ainda existe uma outra psique, uma contraparte para sua realidade psíquica que não se é, o que não é nem para ser chamado de self. Você (ego) está inserido dentro disto, o psíquico não é mais um conteúdo do ego, mas o ego se torna um conteúdo do psíquico. Esta condição, na qual o elefante branco desaparece no Self, é quase inimaginável; ele (o elefante) não é mais perceptível, nem sua força, pois ele não está mais contra você (ego), nem a seu favor, afinal, você (ego) é absolutamente idêntico a ele, e ao todo. Você (ego) não está nem sonhando em fazer algo diferente do que a força (Self) está exigindo, e a força não está exigindo, uma vez que você já está fazendo, pois você é a força. E a força retorna à origem, o Deus...
...Como São Paulo o expressa no livro de Gálatas capítulo 2, versículo 20: “não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim...” (Jung apud Shamdasani, 1996, p. 57).
Jung assim finaliza suas reflexões sobre o centro ajna (apud Shamdasani, 1996, p. 59):
Ajna é o estado de consciência completa, não so de auto-consciência, mas uma consciência excessivamente extensa que inclui tudo - a própria energia. Uma consciência que não somente sabe: “aquilo és tu”, mas mais que isso. Toda árvore, toda pedra, toda saliência, tudo isso seria você mesmo. Em tal consciência extensa todos os chakras seriam simultaneamente experenciados, porque este é o estado mais alto de consciência, e ele não seria o mais alto se não incluísse as experiências anteriores.
Sahashara, o chakra coronário
Sahashara, a flor de lótus de mil pétalas, é branca como a lua cheia resplandescendo em um céu claro. As cinquenta letras do alfabeto sânscrito dão voltas nas mil pétalas, vinte vezes em cada uma. Em seu centro está Hamsa, a encarnação de Vishnu, que é comumente traduzido como cisne, mas refere-se ao ganso selvagem, cujo voo alto inspirou os antigos indianos a fazerem dele o símbolo do sol, e mais tarde do Si Mesmo. Em outras fontes, identifica-se com o poder da serpente (kundalini-shakti), a energia espiritual oculta no corpo (Feuerstein, 1997; Avalon, 1974). Aqui atingimos Brahma-Randhra, a abertura no topo da cabeça que corresponde à sutura frontal, onde nos fundimos em Brahman, em um processo descrito como “... o processo transcendente de expansão e contração; o movimento de vibração que caracteriza o divino. A força centrípeta deste movimento puxa o adepto para uma absorção meditativa cada vez mais profunda, até a realização do Ser Supremo” (Feuerstein, 1997, p. 252).
Jung faz este único comentário sobre Sahashara em seus seminários (apud Shamdasani, 1996, p. 57):
...falar sobre a flor de lótus de mil pétalas, o centro sahashara, é totalmente supérfluo, pois é meramente um conceito filosófico, sem qualquer substância para nós. Está além de qualquer experiência possível. Em ajna ainda existe a experiência do Self que é aparentemente diferente do objeto, o Deus. Mas em sahashara não há diferença. Não existe nenhum objeto, nenhum Deus, não existe nada além de Brahman. Não existe nenhuma experiência, pois isto é “um sem um segundo” [Nos Upanishads, Brahman é entendido como a origem do cosmos, a entidade primordial que procriou o mundo múltiplo. O universo é, dessa forma, idêntico a Brahman (Feuerstein, 1997). A cosmogonia hindu conta o início do mundo dessa maneira: “No início era um Brahman, sem um segundo” (Tinoco, 2005).]. Isto é nirvana [Nirvana é a cessação de todos os desejos, uma condição equivalente à iluminação. Para o Yoga representa a união do si mesmo com o Si Mesmo Transcendente (Feuerstein, 1997).]
Para Gopi Krishna (2004, p. 11):
Nós, devemos nos perguntar como é vivenciar tal estado de consciência. Todos aqueles que experimentaram concordam que é algo inteiramente de outra dimensão. Em qualquer idioma escasseiam as palavras, de maneira que a experiência não pode ser realmente explicada. É impossível descrever o assombro assoberbante que enche a alma, quando com o influxo das novas correntes psíquicas dentro do cérebro, a área de percepção individual começa a expandir-se até que, como um oceano, espalha-se por toda a parte. Jamais é esquecido o sentimento de indizível felicidade.
Imagino que essa seja uma possibilidade de vida através de uma dinâmica de consciência que não é acessível ao nosso pensamento atual. Em linguagem oriental, trata-se de uma forma de existência na qual os ciclos intermináveis de morte e reencarnação, ou, em uma linguagem alquímica, os ciclos que se perpetuam de solutio e coagulatio, ou, em uma linguagem psicológica, os ciclos que se seguem de repetição, recordação e elaboração dos conteúdos inconscientes possam chegar a um fim. Então, alcançamos ananda, o estado de bem aventurança, o nirvana, o ouro alquímico, o Graal, o fim da existência polarizada de ego - Self, de consciência - inconsciente, de mundo externo - mundo interno, de corpo - mente..., enfim, a Totalidade.
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